30/10/2012

De Escorpião a Águia

Ainda hoje observamos, em muitas construções antigas de igrejas ca­tólicas, quatro estátuas em cima do frontispício: são os quatro Evange­listas, Mateus, Marcos, Lucas e João, tendo aos pés os símbolos dos quatro signos fixos que outrora compunham a esfinge: Escorpião (representado por uma águia), Leo (por um leão), Taurus (por um touro) e Aquárius (representado por um homem.). É uma influência da primitiva igreja, pois os antigos Pais da Igreja conservavam o conhecimento dos mistérios cristãos e sabiam muito bem a parte esotérica e a relação entre as forças cósmicas (astrologia espiritual) e a evolução humana. Os Evangelhos são escolas iniciáticas diferentes. Dentre as coletâneas feitas pelos diferentes discípulos de Cristo-Jesus e por seus seguidores diretos, foram escolhidas apenas quatro, que hoje, divididos em capítulos, constituem os evangelhos. As demais foram consideradas apócrifas ou não inspiradas. Mas havia uma razão de ser nessa escolha. Tais evangelhos ou métodos iniciáticos formam as linhas angulares que determinariam o horóscopo e evolução do Cristianismo.
Podem alguns estranhar que Escorpião seja ali representado pela águia, como o foi na esfinge misteriosa. É que Escorpião, representando as forças criadoras, em que se fundamenta todo o nosso poder potencial encerra vários símbolos. Cada um deles exprime um estágio evolutivo.
As forças ocultas no homem são um mistério, cujo conhecimento e domínio nos abre as portas da regeneração e libertação, para a recon­quista da condição de filhos de Deus (religação ou religião verdadeira). Por isso rege o sexo e a força motriz emotiva. Por isso rege a oitava casa do horóscopo, que expressa regeneração ou degeneração, segundo os planetas e aspectos de cada tema.
Na fase primitiva da evolução, escorpião rasteja na paixão, escravizando o nativo às exigências dos sentidos, No aspecto espiritual, pica por detrás, com a cauda, mostrando o lado negativo em que vivíamos, como médiuns grandemente influenciados e dirigidos de fora. Aqueles que se iniciavam nos mistérios e alcançavam o desenvolvimento posi­tivo de suas faculdades, eram relacionados com a serpente, que pica pela frente, mostrando o aspecto positivo, independente. Nos mistérios egípcios, os Najas ou serpentes levavam uma serpente que parecia sair da raiz do nariz (lugar da consciência individual, do espirito divino). Esses eram. desenvolvidos positivamente nos mistérios. Eram clarividentes voluntários. Os involuntários, que tinham a mesma condição dos médiums espíritas de hoje, traziam uma serpente desenhada no ventre, na altura do plexo solar. Estas posições da serpente mostravam que, no desenvolvimento positivo é o espírito interno que alcança a possibilidade de vôos d'alma, saindo e entrando do corpo, pela cabeça (entre as comissuras dos ossos parietais e occipital), ao passo que, no desenvolvimento negativo, é um espírito estranho que expulsa o espírito residente e penetra no corpo pelos órgãos sexuais ou pelas paredes etéricas, rompidas do plexo.
Na Bíblia temos várias passagens elucidativas desses dois estados. Os Israelitas tomaram a palavra "Naja" e modificaram-na com sufixo negativo, feminino "OTH", que nos dá NAIOTH e o final positivo masculino "IM" para a clarividência positiva. Saul foi a Naioth (foi tomado por espírito e divertiu os outros com as tiradas proféticas. Cristo-Jesus foi a Naim e resuscitou o Filho da Viúva (iniciação de Lázaro).
Mercúrio, o símbolo da razão, também leva uma serpente a sair-lhe do chapéu; é indicação de que, com o chapéu de Mercúrio a razão, chave evolutiva da presente época Ariana, o homem é livre e independente de influência externa para evoluir.
Quando, no antigo Egito, a pessoa levava duas serpentes a sair-lhe da fronte, indicava exercer dois poderes: de rei e de sacerdote.
Naja (Uraeus) é um emblema de Sabedoria. Cristo se refere aos de­tentores dessa Sabedoria quando aconselhou a sermos "sábios como as serpentes". Na índia, os guardiães dos mistérios eram chamados "nagas'-ou serpentes. Nos "Eddas" de Islândias vemos que Siegfried, investigador sincero, degolou a serpente, provou seu sangue e se converteu num sábio.
Ora, o veneno é um símbolo da força criadora, Siegfried o bebeu e tornou-se sábio. Quem usa o veneno (poder, força sexual) de forma indevida, pica por detrás e torna-se réu ou vítima do próprio veneno como o escorpião ao matar-se, diante do perigo. Mas quem usa essas forças de forma positiva e justa, pica pela frente, como a serpente (razão).
No mês de julho sairá um artigo muito interessante acerca de Escor­pião (*). É uma valiosa contribuição ao conhecimento da astrologia e da psicologia profunda, para mostrar como essa força age e a necessidade de ela ser transmutada, transubstanciada. Quando, pela regeneração da natureza criadora, transubstanciamos essa força dentro de nós, alcançamos a condição de águia a que voa em busca das alturas, não com as asas de cera de falso desenvolvimento de um Ícaro, mas com asas reais, que nos torna possível deixar a prisão da ilha de nosso corpo.
Os alquimistas costumavam comparar o homem a um forno e representavam-no com uma chama inferior para queimar e sublimar em forma de vapor, a líquida natureza da força de Escorpião. De fato sabemos que na medula espinhal do homem circula um gás, a força de Netuno que rege as faculdades supranormais. Esse gás pode converter-se no líquido passional que procura exteriorização pelo sexo ou pode ser incendiado pela aspiração e prática de ideais superiores, caso em que, eleva-se pelo tubo (medula) do forno (corpo humano) e vai fazer vibrar os dois centros espirituais da cabeça, (da pineal e da pituitária), estabelecendo com a persistência do processo regenerativo, uma ponte vibratória entre esses dois centros. Abrem-se, então, os olhos espirituais e alcançamos a visão dos planos internos da natureza, atualmente encobertos para os olhos carnais do homem comum.
Ora o que cegou o homem foi a queda e o uso do álcool e outros ex­citantes. Por isso a Fraternidade Rosacruz recomenda aos aspirantes a graus superiores o abandono da carne, (que está impregnada pela paixão animal, pois como diz a Bíblia, "a alma do animal está no san­gue"), do álcool, do fumo e de outros tóxicos que dificultam o pro­cesso regenerativo.
O modelo divino do tabernáculo dado a Moisés no Monte previa pre­cisamente a elevação humana da degeneração em que estavam, para a regeneração. O Altar dos Sacrifícios simboliza a força criadora vol­tada para a satisfação egoísta de todos os desejos do homem. Ela deve ser queimada (sublimada) com sal (arrependimento). O odor que se elevava da queima agradava ao Senhor.
Mas naquele tempo o homem não estava preparado ainda para o sa­crifício de si mesmo e os Seres Superiores determinaram que sacrifi­cassem suas posses (machos bovinos e ovinos) além dos dízimos. Com o advento de Cristo e a purificação dos estratos da Terra o homem alcançou a possibilidade de fazer de si mesmo, sob uma orientação racional, um sacrifício vivente. O Tabernáculo, que era uma sombra das coisas que viriam, antecipava essa possibilidade expressa por Paulo apóstolo quando diz em Efésios 4:22 a 24:  "que nos despojemos do homem velho e nos revistamos do homem novo em novidade de espírito". E ainda mais, em Iº Coríntios 15:42: "ressuscitarmos da corrupção para a incorrupção, de corpo animal para o corpo espiritual". O tabernáculo é nosso corpo, o Templo de Deus Vivo, Interno. Se queremos trabalhar eficazmente a serviço da humanidade, alcançando, ao mesmo tempo, para nós, a verdadeira felicidade, é necessário que passemos além dos homens comuns que funcionam apenas no pátio externo do tabernáculo, no lado inferior. Aprendendo a queimar os atos errôneos de cada dia, com o fogo da consciência, durante a retrospecção noturna, podemos lavar-nos e purificar-nos, a fim de entrar durante o sono, no Santo (Sala Oriental) e lá trabalhar como Auxiliares Invisíveis inconscientes, a serviço da humanidade. Mas não basta isso, é necessário que durante o dia aproveitemos todas as oportunidades de bem agir. Só podemos ser eficientes Auxiliares Invisíveis quando aprendemos a ser, aqui agora, Auxiliares Visíveis provados pela prática e não simplesmente em teoria e aspiração.
Assim, o bem agir e uma retrospecção bem feita nos permite extrair a essência do serviço prestado, para oferecê-la aos semelhantes durante o trabalho noturno a que nos consagramos diariamente.
Desse modo afirma - Max Heindel com o conhecimento de causa - o maior criminoso pode transformar-se radicalmente. É um trabalho de repetição no bem, de automatização do certo, deixando de lado, procurando esquecer o lado inferior, que morrerá de inanição, aos poucos. E um dia chegará em que, suficientemente equilibrados para nos dirigir seguramente no Mundo dos Desejos, somos visitados pelo Mestre e convidados a entrar no Santíssimo (Sala Ocidental). Esse extremo ocidental do Tabernáculo é a nossa cabeça, onde estão os dois querubins (pineal e pituitária) ligando suas asas (ponte vibratória) sobre a arca, dentro da qual estão: as tábuas da lei (a observância consciente e espontânea nas leis naturais), a vara de Aarão (o fogo espinhal de Netuno, com todo seu poder potencial) e o Maná (o Espirito triúno).
Mas essa transubstanciação é assunto delicado. Por isso fazemos o presente artigo, na esperança de reforçar e assegurar uma boa com­preensão do que sairá em julho, sobre o assunto.
O homem precisa conhecer-se (Nosce Te Ipsum) por um estudo criterioso de seu horóscopo, tomar consciência de seus pontos frágeis e fortes e depois trabalhar vigilantemente por sua regeneração, seguindo um roteiro pessoal. Os pontos frágeis principalmente os complexos impulsos emocionais e sexuais, não são sublimados pelo combate. Cristo recomenda mui oportunamente que "não resistamos ao mal", isto é, que não pensemos nele, que não Ihe demos consideração pois, cada vez que pomos uma idéia na consciência fortificamo-la com nossa atenção. Consegui bons resultados, mantendo-me sempre ocupado em coisas nobres e prazerosas. Os Santos são muitas vezes representados, pisando uma serpente. S. Jorge matou o dragão. Também nós, para dominar a força emocional de Escorpião, devemos unicamente estar alertas contra seu automatismo astuto e subtil e pensar e agir unicamente no que seja construtivo.
Há muitas coisas por aí a conspirar contra nosso aperfeiçoamento. Não faz mal. Não podemos ficar num convento. A oficina de aperfeiçoamento é aqui mesmo, no meio da tentação. É a única forma de provarmos para nos mesmos se estamos seguros para enfrentar provas maiores. Estejamos alertas contra as insidiosas sensações e imagens que, pela televisão, pela revista, podem acumular-se e insidiosamente incitar-nos a natureza inferior. Olhemos o lado bom de cada coisa, desconcertando o mecanismo do subconsciente instintivo. Isto é vigiar e orar.
E, como ainda não somos santos, cuidadosamente demos vazão ao vapor da natureza emocional que se acumular, porque senão estoura a caldeira. Escorpião rege esse impulso de liberação e devemos ser prudentes. Mas, entre ser prudentes e condescendentes com o instinto, vai uma grande distância.
O ponto de relevo do artigo de Elman Bacher (*) é o perigo do recalque, isto é, não sublimar natural e inteligentemente a força instintiva e apenas querer contê-la, à força de vontade ou por inibição. Isto é realmente um perigo. Na Lenda de Parsifal, Klingsor, buscando ser um dos cavaleiros do Graal (ser repentinamente elevado), mutilou-se, vedando a si mesmo a satisfação instintiva. Mas, com a vista espiritual o Guardião do Castelo percebeu-lhe o íntimo tenebroso e passional e não lhe permitiu o ingresso. É o problema da circuncisão debatido por Paulo Apóstolo. O corpo de desejos é distinto do corpo se bem se expresse através dele, como Klingsor o fazia com Kundry, quando a despertava antes que os cavaleiros do Graal o fizessem, utilizando-a em propósitos egoístas. Klingsor morava no "vale", indicativo da parte baixa do corpo, onde se situam os órgãos sexuais, expressão inferior da força emocional. O castelo do Graal estava no "monte", isto é, na Cabeça. Os cavaleiros são o gás netuniano. Atraí­dos e seduzidos pelas flores-deusas, deixam-se exterminar por Klingsor. Parsifal foi tentado e venceu a prova. Mas teve, ademais, que provar seu valor altruístico, sofrendo e servindo, usando seu poder em benefício dos demais e nunca para si.
Assim também nós, temos tudo isso dentro do nosso reino interno e é mister alcançar o mérito de Parsifal, não insensatamente como Anfortas, mas sabiamente, como "serpentes" que desejam transmutar-se em águia.E das cinzas da queima da natureza inferior elevar-se-á, gloriosamente, em repetidos renascimentos, cada vez mais luminosos, a Fênix!
publicado na revista Serviço Rosacruz, junho, 1966 - mantida a ortografia da época 
(*)O autor refere-se ao texto Plutão - Princípio do Fogo Congelado de Elman Bacher, parte1,publicado na revista Serviço Rosacruz, julho 1966. (Ver)